Devaneios do pai de Hans-Thomas na praça de Atenas.
Retirado do livro "O DIA DO CURINGA"
- Na praia, uma criança constrói um castelo de areia. Por um momento, contempla
admirada a sua obra. Depois destrói tudo e constrói um outro castelo. Da mesma
forma, o tempo permite que o globo terrestre realize seus experimentos. Aqui
nesta praça se escreveu a história do mundo; aqui os acontecimentos foram
gravados na memória das pessoas, e depois novamente apagados. Na Terra, a
vida Pulsa de forma desordenada, até que um belo dia nós somos modelados...
com o mesmo e frágil material de nossos antepassados. O sopro do tempo nos
perpassa, nos carrega e se incorpora a nós. Depois se desprende de nós e nos
deixa cair. Somos arrebatados como num passe de mágica e depois novamente
abandonados. Sempre há alguma coisa fermentando, à espera de tomar nosso
lugar. Isso porque não temos um solo firme sob os nossos pés. Não temos sequer
areia sob os pés. Nós somos areia.
- Podemos escapar de reis e imperadores, e talvez até de
Deus. Mas não podemos escapar do tempo. O tempo nos enxerga em toda a
parte, pois tudo à nossa volta está mergulhado nesse elemento infatigável.
- O tempo não passa, Hans-Thomas, e não é um relógio. Nós passamos e são os
nossos relógios que fazem tiquetaque. O tempo vai devorando tudo através da
história, silenciosa e inexoravelmente, como o sol se levanta no Leste e se põe no
Oeste. Ele destrói civilizações, corrói antigos monumentos e engole gerações
atrás de gerações.
- Por um breve espaço de tempo fazemos parte da extraordinária agitação deste
mundo. Andamos pela Terra como se isso fosse a coisa mais evidente do mundo.
Você viu como as pessoas se agitam feito formigas lá na Acrópole? Mas toda
aquela agitação vai desaparecer. Vai desaparecer e ser substituída por outra, pois
sempre há outras pessoas prontas, à espera. Sempre surgem novas idéias.
Nenhum tema se repete, nenhuma composição é escrita duas vezes... Nada é tão complicado e tão precioso quanto um ser humano, meu filho. Apesar disso, somos
tratados como futilidades baratas!
- Vagamos por esse mundo
como personagens de uma aventura maravilhosa. Cumprimentamo-nos e sorrimos uns para os outros como se quiséssemos dizer:
"Oi, aqui estamos nós vivendo juntos nesse momento! Dentro da mesma
realidade... ou da mesma história". Não é inacreditável, Hans-Thomas? Vivemos
num planeta no universo. Mas logo seremos varridos do tabuleiro. Abracadabra
e... pronto! Desaparecemos.
- Estamos vivos, ouviu
bem? Mas só por esta vez podemos dizer, de braços abertos, que existimos. Mas logo somos colocados de
lado e enfiados no saco das trevas da história.
Somos parte de um eterno baile de máscaras, em que os mascarados vêm e se
vão. Só acho que mereceríamos coisa melhor, HansThomas. Você e eu
mereceríamos ter nossos nomes gravados em alguma coisa eterna, que não fosse
apagada como o mar que destrói o castelo de areia.
JOSTEIN GAARDER
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